O respeito às fases do desenvolvimento da pessoa – infância, adolescência ou vida adulta – é fundamental no processo de identificar sintomas de qualquer transtorno mental, incluindo o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Cada fase tem suas características únicas e específicas. Sendo assim, são disponibilizados recursos únicos e específicos para o diagnóstico e o tratamento.

O assunto é aprofundado nesta entrevista pela pedagoga e psicopedagoga Clarice Peres, doutora em psicologia e educação (Espanha); mestre em psicopedagogia e necessidades educativas especiais; e especialista em neuropsicologia infantil (Califórnia). Ela é autora do livro TDAH: da teoria à prática (Wak Editora).

Por que hoje se fala tanto em TDAH, inclusive em adultos?

Porque nossos recursos científicos e da neurociência estão muito mais aptos ao diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais e à resposta às demandas consequentes de uma vida moderna disruptivas e negativas ao nosso desenvolvimento psíquico, físico e espiritual. Também por uma demanda social: hoje sabemos que, entre 10 crianças, 1 é TDAH e que essa condição afeta negativamente a vida dessa criança e compromete o seu desenvolvimento para uma vida realizada e feliz. Sabe-se, ainda, que outros transtornos mentais estão altamente associados ao TDAH, ou seja, o transtorno não costuma vir sozinho.

Quais os principais sintomas em crianças e adolescentes?

Temos o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5-TR) que nos guia para identificar e diagnostica esses sintomas. Portanto posso destacar alguns sintomas bastante comuns na minha prática clínica:

  • Hiperatividade.
  • Esquecimento.
  • Desatenção enorme nas atividades que requerem foco e manter esse foco por períodos de tempo médio ou prolongado em temas que não são de interesse.
  • Desregulação do tempo interno.
  • Hiperfoco.
  • Impulsividade.
  • Sentimento de sobrecarga.
  • Estresse.
  • Mudanças de humor.
  • Inquietação.
  • Pobre organização temporal.
  • Desorganização.
  • Procrastinação.
  • Inconsistência.
  • Falhas em projetos, prazos e trabalhos que demandam muita pressão.
  • Acumulação.
  • Riscos quando dirige automóveis.
  • Alergias.
  • A desregulação dos neurotransmissores no cérebro de um TDAH afeta de muitas formas o comportamento e a aprendizagem, ou seja, a química neural joga um papel fundamental em seu cérebro; inclusive alterando completamente os filtros que são utilizados para manter essa criança ou esse adolescente a salvo; ou ser criteriosa e cuidadosa com os riscos que corre. E parece relevante comentar que um paciente com TDAH tem maior consciência de si mesmo e tem muitas vezes uma empatia exagerada (coloca o outro em primeiro lugar muitas vezes numa tentativa de aceitação no grupo ou compensação emocional). Deficiência de dopamina; serotonina e sistema glutamatérgico.
  • Disfunção nas funções executivas (que são flexibilidade neural, planejamento, antecipação, resolução de problemas, tomada de decisões, autorregulação emocional, sequenciar, controle cognitivo e resposta inibitória).
  • A funcionalidade e a conectividade no cérebro TDAH são limitadas.
  • Baixa motivação e desregulação no sistema de recompensa.
  • Controle inibitório deficitário – às vezes conecta muito e outras quase nada.
  • Uma hiperatividade que pode agravar os sintomas de irritação, descontrole e agressividade quando alguma situação requer maior concentração ou exige mais do afetivo ou cognitivo dessa criança ou desse adolescente, desencadeando inclusive crises de raiva, por exemplo.
  • A comunicação assertiva também falha no TDAH, portanto pode ser evidenciada em comportamentos inadequados na tentativa de estabelecer um vínculo com o outro.
  • A desregulação emocional também está presente no TDAH, o que pode gerar desconforto ou reações extremas de excitação ou apatia diante das atividades propostas. O cérebro TDAH funciona bem com os extremos, com a superestimulação e com o “8 ou 80”.
  • As comorbidades (como transtorno do espectro autista; síndrome de Rett; ansiedade; depressão; transtorno de oposição desafiante; transtornos da personalidade; transtornos alimentares; transtornos de excesso na prática de esportes – vigorexia; transtorno obsessivo-compulsivo; transtornos de aprendizagem, como dislexia; dispraxia; epilepsia; transtorno de estresse pós-traumático; transtornos do sono; síndrome de Tourette; misofonia etc.), além do TDAH, também jogam um rol decisivo no diagnóstico e tratamento. Costumo dizer às famílias dos meus pacientes que tanto no TDAH quanto no autismo temos uma terra fértil para outros transtornos mentais surgirem; depende de muitos fatores (ambientais; alimentares; pré-disposição genética; na gestação, idade dos pais, consumo de drogas, incluindo álcool ou cigarro, problemas no parto; irmãos que já sejam diagnosticados; traumatismos etc.).
  • Desregulação sensorial também, porque retém pouca memória.
  • Um paciente TDAH é quem mais sofre por sua incapacidade muitas vezes de se encaixar.

Quais os principais sintomas em adultos e no que se diferenciam dos da infância e adolescência?

O respeito às fases do desenvolvimento da nossa vida é fundamental no processo de identificar sintomas de qualquer transtorno mental, incluindo TDAH. Portanto, cada fase tem suas características únicas e específicas. Sendo assim, são disponibilizados recursos únicos e específicos para o diagnóstico e o tratamento do TDAH. É curioso que, quando o paciente recebe o seu diagnóstico na fase adulta, ele faz uma retrospectiva mental bastante rica, rapidamente identificando seus sintomas com uma clareza incrível. Depoimentos:

– Sim, eu era um motor ligado a 120 km por hora todo o tempo.

– Eu estava sempre pensando 24 horas dentro da minha cabeça nunca parava.

– Eu era muito desorganizado e desatento, e meus pais, professores e namoradas sempre reclamando.

– Eu nunca cumpria prazos, não conseguia, simplesmente eu sempre estava atrasado e às vezes nem me dava conta disso.

– Eu esquecia tudo, perdia muitas coisas e me irritava com o mundo inteiro.

– Eu ficava muito frustrado com coisas insignificantes, mas naquele momento era como se o mundo fosse acabar.

– Eu não entendia por que todos reclamavam o tempo todo de mim e por que meus colegas de classe não me incluíam.

– Eu não entendia por que meus colegas de classe não me convidavam para as festas de aniversário ou por que quase nenhum vinha nas minhas festas, isso sempre me deixou muito triste.

– Eu não conseguia estar à altura do que meus pais esperavam de mim, então me rebelava ou era o palhaço; ser engraçado era fácil para amenizar a dor de não me encaixar.

– Eu fazia o que meus colegas pediam, sem hesitar se era uma boa ideia ou não, e sempre me metia em confusão.

– Muitas coisas me deixavam muito frustrado ou sem motivação nenhuma, tinha que ser bem radical e diferente para poder ter minha atenção.

Enfim, a lista é interminável do momento em que meus pacientes adultos se dão conta de que seus cérebros eram 100% TDAH na sua infância e adolescência.

De que forma deve ser feito o diagnóstico do TDAH tanto em crianças e adolescentes quanto em adultos?

Quando a vida de um paciente não está bem em algumas destas áreas ou em todas – relações pessoais e relacionamentos amorosos, relações sociais e laborais; e relação consigo mesmo –, é como uma red flag (bandeira vermelha), um alerta para que algo não está funcionando bem e necessita apoio terapêutico médico e psicológico.

O diagnóstico é clínico, isso significa que tem que cumprir os critérios do DSM-5-TR, por meio de sessões e anamneses feitas pelo profissional responsável. Também o processo de respostas de testes psicológicos, neurológicos e do comportamento auxilia em obter a melhor informação sobre o paciente. Questionários feitos com familiares e educadores também são valiosos para a excelência dessa avaliação.

O diagnóstico deve ser feito por profissionais da área da saúde, como médicos (pediatras, psiquiatras, neurologistas e neuropediatras), psicólogos e fonoaudiólogos. E minha sugestão é que preferencialmente sejam especialistas em transtornos como TDAH e/ou TEA. Ressalto que professores, educadores, qualquer outro tipo de terapeutas, cuidadores ou coachings são fundamentais para alertarem sobre o TDAH, mas nunca aptos para diagnosticar. Portanto, muito cuidado com as etiquetas e o excesso de “achismos” em relação a ter ou não TDAH.

Portanto, não basta olhar para uma criança que se mexe muito, está agitada e/ou não obedece às regras e dizer que ela tem TDAH. Ou julgar um adolescente como rebelde e, portanto, tem TDAH. Tampouco uma criança distraída. É preciso uma avaliação criteriosa e responsável para diagnosticar um transtorno mental. E as etiquetas são abusivas, e defendo a tolerância zero ao bullying.

Os testes para TDAH disponibilizados na internet são válidos ou é preciso ter cuidado?

Com a inteligência artificial na palma das nossas mãos, é necessário sermos bastante cautelosos e, em muitos casos, céticos. Portanto, sempre o mais seguro é buscar um profissional da área da saúde para poder fazer o melhor diagnóstico possível. Posteriormente a isso, podemos fazer uso das ferramentas tecnológicas com mais segurança, tranquilidade e ética. É necessário nos protegermos da manipulação subversiva quando se trata da nossa saúde mental, física e metafísica.

Existem alguns questionários que auxiliam os profissionais da saúde a terem mais informação sobre o paciente em diferentes ambientes, principalmente na escola. Mas recomendo que esses questionários sejam dados pelos profissionais competentes para avaliar e direcionar essa informação para o diagnóstico e no tratamento.

Como é feito o tratamento do TDAH nas diferentes fases da vida? Ele possibilita qualidade de vida?

O tratamento é proposto respeitando a idade do paciente e do grau de comprometimento que o TDAH e outras comorbidades estejam afetando negativamente na vida desta pessoa. Os tratamentos mais comuns e úteis para um primeiro momento, logo após um bom diagnóstico, são: tratamento psiquiátrico, tratamento psicológico, tratamento farmacológico, tratamento neurológico, tratamento cognitivo ocupacional, tratamento em estratégias cognitivo-comportamentais, tratamento dietético, tratamento físico/esportivo e meditação. O tratamento do TDAH é prioridade após o diagnóstico. Quanto mais tarde é feito, mais difícil é a vida desse paciente e de todos que convivem com ele.

Liste fortalezas de pessoas com TDAH.

Capacidade criativa.

Podem estar conectadas a vários estímulos ao mesmo tempo.

Maior tolerância ao caos.

Engenhosas e rápidas.

Ingênuas.

Diretas.

Verdadeiras.

Defensoras dos fracos e oprimidos.

Cooperadoras.

Não julgam os outros.

Gostam de novidades.

São ótimas em relações públicas.

Sempre dispostas a ajudar.

São boas em memória visual.

Têm sentido de humor.

Podem ter em mente vários projetos ao mesmo tempo.

São habilidosas na escuta.

Perdoam facilmente.

Necessitam dormir menos que os outros.

Boa reação em situações de emergência.

Gostam de caminhos alternativos.

São muito prestativas.

Adoram animais de estimação.

São ousadas e se arriscam.

Têm bastante energia.

Estão sempre prontas para uma boa aventura.

Esportes radicais estão no topo de sua lista (e querem provar todas as modalidades possíveis).

Liste estratégias que ajudam quem tem TDAH.

Alimentação saudável e sem açúcares.

Exercício em diferentes modalidades com moderação.

Ter um pet.

Fazer listas.

Planejar o dia escrevendo ou colocando alarmes.

Dividir uma tarefa difícil em várias partes.

Respirar antes de responder e atuar.

Meditar.

Fazer yoga.

Colocar os objetivos em um papel.

Usar relógios que tenham alarmes.

Quando entediado, se movimentar e sair ao ar livre para respirar.

Fazer natação.

Fazer jiu-jítsu.

Participar de tudo que treine o cognitivo.

Aprender um instrumento musical.

Remover distrações.

Colocar chaves, carteira, dinheiro e objetos importantes em um mesmo lugar para fácil acesso.

Fazer uma coisa de cada vez e respirar entre elas.

Colocar tempo cronometrado nas tarefas difíceis de executar e executá-las controlando o tempo.

Observar um pouco mais o próprio entorno, respirando profundamente ao mesmo tempo.

Não se atirar na piscina sem antes ver se está cheia de água.